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O envelope amarelado pelo tempo

17:03 Vinicius Ferrari 1 Comments Category :

" Era uma noite fria de outono quando Arthur resolveu limpar a gaveta de documentos do pequeno escritório que mantinha em seu apartamento. Lá se encontravam contas quitadas, prestações antigas, certidões de nascimento dele, dela e das crianças. Pegou na mão a certidão de casamento com Beatriz e lembrou-se da pequena cerimônia realizada apenas no Civil, para poucos convidados, como Bia queria desde sempre. Ele acabou acatando as vontades dela e não opinando em nada. Casaram-se sem amor. Ele pensava que o amor era desnecessário quando se tinha carinho, afeto, compreensão e aquele sorriso no rosto. Ele amava ela de uma forma especial. De uma maneira como nunca havia amado alguém. Mas mesmo assim não era amor. Não amor como deveria ser, entende? Não, provavelmente você não vai entender. Foi aí que em meio aquele emaranhado de documentos chatos, contas amareladas e recibos ilegíveis ele encontrou o saquinho dourado. Aquele saquinho dourado foi o lugar que casal encontrou para guardar aqueles convites de batizados, casamentos e chás de panela que vamos acumulando durante os anos. E ele foi passando aqueles convites coloridos e enfeitados, passou pelo convite do primeiro aninho dos gêmeos da vizinha do 1007, pelo convite de batizado da pentelha da sua sobrinha que da ultima vez que apareceu em sua casa quebrou o DVD original dos The Beatles que ele mantinha como relíquia. Até que chegou a um envelope laranja, onde mandaram escrever em letra bonita: Ana e Matheus. Arthur e Ana namoraram durante 3 anos. Eles pareciam duas crianças e o amor dos dois era motivo de inveja para qualquer "Forever Alone" como se dizia na sua época. Boca pequena sempre rosada, pele branca como leite, olhos azuis enigmáticos e um sorriso que tinha o poder de desarmar qualquer guerra. De acabar com qualquer briga. De amolecer qualquer coração carente. Ana por ironia do destino era a melhor amiga de Beatriz e por muito tempo foi a vela nos encontros dos dois.  Ana e Arthur riam juntos das tentativas frustadas de Bia em encontrar um namorado, e por muitas vezes ela colocava para correr todos os pretendentes que o casal de amigos tentava arrumar. Eis que um dia, um dia como qualquer outro Ana e Arthur terminaram. Arthur queria viver a vida, conhecer novas pessoas, viver novas aventuras, montar em uma moto e sair pelo mundo, conhecer novas culturas. Ana queria a confortabilidade de um lar. A confiança da estabilidade. Queria ser mãe. E então, terminaram. Cada um pro seu canto e o amor deles pro saco. Beatriz ficou do lado da amiga,  cortando completamente o contato com Arthur. E foi assim pelos 2 anos seguintes até que Arthur voltou para a pequena cidadezinha do interior, chegou em casa com um corte de cabelo novo, barba serrada na cara e uma bagagem de histórias para contar. Foi até sua casa e encontrou no meio de um bolo de correspondências acumuladas nos ultimos 24 meses, um envelope alaranjado, onde lia-se na capa os nomes "Ana e Matheus". Ele abriu e viu que se tratava do convite de casamento dos dois. Um sentimento ruim tomou conta do seu coração, pois ele sabia que não poderia deixar que aquele casamento acontecesse. Era isso! Acabaria com a cerimônia! Sentiu-se como se o tempo tivesse parado pra ele e seguido em ritmo acelerado para os demais. Leu no convite que o enlace seria no sábado, e então saiu correndo até a praça enfrente a Igreja da cidade onde encontrou as portas fechadas. 
- CANCELARAM. - Pensou ele -  ela me ama e não quis casar com esse tal de Matheus. 
Foi ao que ele olhou novamente para o convite e viu que não se tratava daquele sábado e sim de um sábado que já ficara pro passado alguns meses atrás. Fim de linha. Ele encontrou todas as pessoas que queria, viajou por todos os lugares imagináveis e só se deu conta agora, que o que ele mais queria estava ali, ao lado dele.Começou a chorar e sentiu uma mão vinda por trás do seu ombro acompanhada de uma voz doce e reconfortante que dizia:
- Olhe para as estrelas, olhe como elas brilham por você!
Era Beatriz recitando o trecho de alguma música do Coldplay, banda que os 3 escutavam juntos nos tempos de escola. Ela o consolou, saíram para comer naquela noite e Bia atualizou Arthur com tudo o que aconteceu naquela "baita" cidade enquanto nosso amigo esteve fora. Depois disso comeram muitas pizzas, viram muitos filmes, ouviram muito Coldplay, dançaram muito. Riram. Reavivaram a amizade adormecida. Tornaram-se companheiros, melhores amigos e por fim deixaram que o mais lindo romance tomasse conta de suas vidas.  
Bem, o caso é que Arthur estava ali, com o envelope laranja novamente em mãos lembrando do passado e como tudo teria sido diferente se Ana tivesse lutado por ele e ele tivesse ouvido o seu coração. Quando ia colocando o envelope de volta ao saco dourado deu-se conta que tinha mais alguma coisa dentro dele. UM BILHETE. A primeira coisa que ele pensou foi que se tratasse daqueles cartões de Buffet que os noivos colocam no convite. Quando aproximou o papel 10x10 dos olhos leu a seguinte frase:
"Se soubesse o quanto foi, e é importante pra mim, voltaria a me amar novamente, mais forte como nunca. Se desconfiasse de quantas vezes eu chorei relembrando o passado, não permitira que uma lágrima caísse do meu rosto. Se um dia me permitisse apenas mais uma chance, eu juro meu amor, juro que te faria o cara mais feliz do mundo"
Soltou um belo sorriso de canto de boca e por alguns instantes pensou em como aquela garota havia o amado. Mas e por que ela não o procurou durante aquele tempo todo? E por que se casou com alguém sem amor? Por que não lutou pelos dois? Por alguns instantes ele pensou em sair correndo e procurar ela, ir lá no meio do mato onde ela se meteu com o marido e falar tudo o que queria, dizer que ele a amou por muito tempo, que por muitas noites ele deitava a cabeça no travesseiro e lembrava dela e que sim, ela o fez o cara mais feliz do mundo. Mas aí os minutos foram passando e ele viu que era bobagem. Ana ficou no passado assim como aquele bilhete que nunca foi lido. Ele era feliz por fim com sua esposa e seus dois filhos. Tudo mudou para eles, o tempo chegou e o amor até já passou. Sair atrás de Ana agora seria a repetir o mesmo erro do passado. Arthur era feliz. Com o que tinha. E então entrou no quarto com a cara mais sacana do mundo, olhou pra Beatriz que lia uma revista sobre celebridades e disse: 
- Você acredita que eu tive a chance de ser feliz e só fiquei sabendo disso esta noite?
- Então você achou o bilhete da Ana no envelope não é? 
- Sim, e porque você não me avisou dele antes? E porque não colocou fora?
- Pode não parecer mas eu sempre deixo as suas opções em aberto. O que não significa escancara-las.

E os dois riram, 
e ele fez cossiguinha nela, 
e eles fizeram guerras de travesseiros 
e se abraçaram 
e se amaram. 
E foi assim até o fim dos dias. Deles. 
Brigaram muito. Muito mesmo. 
E quando ela falava grosso ele ameaçava ir atrás da outra só pra ver a cara ciumenta dela. 
E eles foram felizes. Não para sempre, mas por um tempo indeterminado. 
Pelo tempo que fora permitido aos dois. Porque as histórias verdadeiras são assim. Os grandes amores são construídos na amizade. No companheirismo e no exagero às avessas. 
E no fim ganha quem entender que tudo o que acontece com a gente é uma baita brincadeira do destino. 
E que se a gente não rir, vai ter que chorar. "

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1 comentários

  1. Adoro contos. Escrever é limpa a alma e encharca-la de bons sentimentos.

    Beijos, que teu dia seja repleto de lindo momentos.

    Seguindo.

    http://luzia-medeiros.blogspot.com.br/

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