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A velha cortina do São Pedro

20:04 Vinicius Ferrari 0 Comments Category :

Atrás das cortinas do Theatro São Pedro uma jovem, morena dos olhos cor de esmeralda, se prepara para entrar em cena. Bárbara é daquelas boas atrizes que choram com a mesma facilidade que sorriem. O espetáculo daquela noite era bem mais ou menos, e Bárbara interpretava uma protagonista rasa, sem muita cor ou densidade. Com o dinheiro que ali ganhava conseguia pagar suas contas, se manter na capital e nada mais. Sem carro. Sem casa própria. Sem sonhos. Jamais cursou Artes Cênicas ou fez qualquer curso profissional de teatro. Atuava de uma forma tão pura e despreocupada que convencia até o mais célebre crítico de sua interpretação.


Bárbara fazia nos palcos aquilo que praticava melhor na vida. Barbara mentia como ninguém. Quando moça enganava seus pais diariamente, fosse para sair a noite com as amigas ou quando mentia que fazia pré-vestibular quando na verdade estava no grupo de teatro da cidade. Enganava sua avó todas as vezes que ganhava aquelas blusas floridas. Dizia que amava. Dizia que eram lindas. Dizia que não se importava com a rejeição. Convencia a todos que era mais forte que as intempéries da vida. Bárbara controlava sua vida usando essa personagem, que nada odiava, que nada reclamava que com nada se importava. Com todos estes textos decorados Barbara se perdia na mesma medida em que se profissionalizava na arte de inventar caras, sentimentos, reações e interpretações e vender esses personagens para as pessoas como a simplicidade e leveza de quem vende um pão, ou lhe oferece um copo d'água.

Bárbara mentia tanto, pra tanta gente, que as vezes nem ela mais sabia quem era, ou o que fazia. Deixava em cada personagem que interpretara nos palcos um pouco das personagens que vivia na vida. No fundo Bárbara sabia que a vida era uma estrada solitária e decadente, onde os aplausos só veem quando você acerta e dá seu melhor de si. Poucos são os que aplaudem as quedas, os socos, os 7 x 1 que a vida insiste em impor todos os dias. Mas nós sabemos que aprendemos muito mais com as quedas que com as vitórias. O fundo do poço é o trampolim dos vitoriosos. Mas ela não se deixava molhar os pés. Não dava a cara para bater. Bem, não a dela. Assim como um cantor de barzinho que toca apenas musicas conhecidas para ganhar o aplauso, Barbara escondia suas melhores canções autorais por medo da reação das pessoas. 

Faltando dois minutos para entrar em cena, Bárbara faz uma oração e pede proteção. Aos Deuses das Artes, ao Deus do Tempo e ao Deus da Mentira. Com o pé direito a morena dos olhos esverdeados pisa no palco e veste mais um de seus capuzes. Se blinda do mundo, da platéia e dela mesma. E segue assim, sendo mentirosamente feliz. Até o próximo espetáculo ruim, Até a próxima decepção que a force a mentir, a colocar um sorriso no rosto, erguer o pescoço e fingir, novamente, que tudo não passa de uma encenação que servirá para pagar suas contas. E apagar seus sonhos. 

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