Harmony Clean Flat Responsive WordPress Blog Theme

O espelho imundo da balada

09:31 Vinicius Ferrari 1 Comments Category :


No banheiro vazio da balada Henrique encarava o espelho como se a figura ali exposta jamais o fora apresentada. Um pouco embriagado, analisava cada ruga, cada linha de expressão e forma simétrica ou não daquele rosto que tão bem conhecia. Motivos para sorrir? Todos temos. Igualmente são os motivos que temos para chorar, para espernear e jurar que a nossa vida é um poço escuro e sem saída, mas uma amiga de Henrique o alertara certa vez que somos um barquinho perdido na imensidão do mar de decepções, tristezas, frustrações e fracassos. Um barco é feito para resistir ao mar e não se deixar afundar, jamais. A nós, marinheiros, cabe a difícil tarefa de não deixar que nosso pequenino barquinho sofra qualquer avaria. Uma vez inundado, dificilmente há salvação. A última tempestade fizera Henrique trabalhar arduamente para que o barco não inundasse, e ele estava vencendo. O mar, o barco, a vida. Ele mesmo. 


Henrique não estava feliz ou triste. Alegre ou infeliz. Acredite criança, nossos sentimentos são bem mais complexos que isto. Henrique levava a vida com a leveza necessária para não se deixar abater pelas tempestades, e com a determinação igualmente necessária para levar o barquinho até o próximo porto. Henrique não encarava naquele espelho somente sua face. Ele encarava coisas que as outras pessoas não poderiam ver refletidas naquele pedaço de vidro. Ele encarava seus medos, suas derrotas, suas mágoas e principalmente: encarava a sua vida, ele mesmo, o novo Henrique que nasceria quando ele parasse de encarar o velho Henrique no espelho. 

Certa vez o jovem esvaziou uma embalagem de metal para colocar suas lembranças dentro. Cartas de amigos e amigas, fotografias, declarações de amores antigos e bem recentes. Lá dentro tínhamos até um palito de picolé descartado por uma de suas namoradas. Na tampa da caixa, pelo lado de dentro, Henrique colara um pedaço de papel onde imprimira a seguinte frase: "Todas as vezes que você abre está caixa um pedaço de mim vai embora com você e um pedaço de você fica preso aqui dentro comigo". Era isso. Deixar no espelho o antigo Eu, e se preparar para viver o mundo que lá fora o chamava para dançar. Para viver. Para voar. 

Após uns vinte minutos encarando o espelho imundo daquela balada mais ou menos, Henrique jogou um pouco de água sobre os cabelos, o rosto e sorriu ao ouvir a voz de uma garota na porta do banheiro chamando por ele.

 Não que todas as histórias devam necessariamente terminar em garotas e novos amores. Não é isso. Até porque a história de Henrique não termina por aqui, haverão muitas tempestades, muitos barquinhos e por consequência muitos espelhos imundos de balada. Onde novos Henriques nascerão, com a morte de tantos outros. 

RELATED POSTS

1 comentários

  1. Ervilho, fiquei sabendo desse blog e vim ver o que tem por aqui :) olha o tempo passando e eu aqui ainda babando nos teus textos!!!
    Parabéns !!!

    ResponderExcluir